Transcriação em 3,5 etapas

No outro dia, falei sobre o que era a transcriação e por que ela é, às vezes, necessária. Hoje vou falar um pouco do seu processo.
Em seu curso de localização de jogos, Pablo Muñoz, do blog Algo más que traducir, nos dá três etapas da transcriação:

1. Ler o texto original e pensar no efeito do texto fonte
Assim como uma tradução tradicional, deve-se ler o texto de origem e entender o seu sentido. Porém, o foco aqui é no efeito que o texto fonte causa em seu leitor nativo.
Embora a série já exista no Brasil, falar aqui de My Little Ponney não causa o mesmo efeito do que falar da série nos Estados Unidos. Dependendo do caso, pode ser interessante trocar por outra referência, mesmo que seja outra série estadunidense.

2. Esquecer o texto original
Esta possivelmente é a etapa mais difícil. Difícil justamente porque é o contrário do que nós, tradutores, estamos acostumados a fazer. Inclusive uma crítica que fazem ao exame da ATA é sua predileção por uma abordagem mais literal da tradução.
Porém, para uma transcriação, deve-se esquecer o texto fonte, mas sem se esquecer do efeito que ele causa.

3. Escrever um texto que soe natural no seu idioma e que tenha o mesmo efeito que o original
Finalmente, começa o processo criativo em si de se fazer um novo texto no idioma. Embora o texto em fonte em si não tenha um papel tão fundamental nesta etapa, o efeito por ele causado tem. Não se pode deixar que um adágio vire um allegro.

No entanto, eu ainda coloco outra etapa entre a 1 e a 2.

1,5. Destrinchar o texto original
Depois de ler o texto e pensar no seu efeito, eu penso nas palavras-chaves dele. Vejo as traduções possíveis de cada palavra, seus sinônimos em português, no idioma de origem e, dependendo do caso, em outras línguas românicas. Além disso, ditados populares e provérbios, tanto no idioma de origem quanto no idioma alvo, podem ajudar muito no processo.
Com isso, o cérebro fica carregado de ideias que ajudam no processo de criação o que também facilita a etapa de esquecimento do texto original.

Transcriação – O que é?

O que é? De onde vem? Do que se alimenta?
Mesmo quem nunca trabalhou na área de tradução tem uma boa ideia do que consiste o trabalho: verter um texto que se encontra em um idioma para outro. Agora, como ficaria a tradução do seguinte trocadilho?

Life without ballet is pointeless

Life without ballet is pointeless

Uma tradução preocupada apenas com o sentido da mensagem, poderia ficar: “Uma vida sem Ballet não tem sentido nem pontas.” A graça do trocadilho acaba se perdendo.

Esse é um dos casos em que se deve aplicar a transcriação, ou seja, o processo de tradução (translation) com criação (creation). Ela difere da tradução tradicional pois o sentido original não se mantém necessariamente. No trocadilho dado, poderíamos deixar como: “Minha vida sem Ballet fica desequilibrada.” Mudam os atores, muda a estrutura, mas a essência, a sensação que o leitor tem se mantém. Neste caso específico, optei por deixar “minha vida” em vez de “uma vida” para não acabar chamando todo mundo que não pratica Ballet de desequilibrado.

Claro que há casos em que todo o documento a ser traduzido exige o processo de transcriação, como por exemplo peças publicitárias e séries totalmente focadas em piadas linguísticas. No entanto, pela minha experiência, ela costuma vir em pequenas pitadas no meio de uma tradução tradicional.

Em futuras postagens falarei mais do processo de transcriação em si.